Evite uso de voz passiva em textos acadêmicos

Alterações na NBR 14724:2018

Em 2018 foi publicada uma atualização da NBR 14724, que inclui uma nova seção sobre a redação de trabalhos acadêmicos. Nessa seção, recomenda-se que seja evitado o uso da voz passiva.

O item 5.3.3 da NBR 14724:2018 recomenda que “o uso da voz passiva seja evitado, pois pode prejudicar a clareza, a objetividade e a precisão do texto”.

Na voz passiva, destaca-se a ação em detrimento do agente que a realiza, o que pode implicar falta de clareza e objetividade. Em um texto científico, deve-se enfocar a lógica e a consciência em relação à língua(gem). O texto científico está alinhado aos princípios científicos. Portanto, é preciso ter cuidado com o que se escreve, como se escreve, por que se escreve e para quem se escreve, considerando-se os paradigmas da pesquisa, bem como a ontologia e epistemologia desta.

As citações diretas e indiretas

É preciso mencionar os autores consultados para o desenvolvimento da pesquisa, por meio das citações diretas e indiretas, a fim de trazer validade em relação à escrita. O conteúdo de um texto acadêmico deve ser precisamente referenciado. Nesse sentido, a voz passiva e outras construções podem prejudicar a clareza a respeito da fonte, por exemplo, da informação. Além disso, o uso excessivo da voz passiva pode tornar o texto mais longo e complexo.

Exemplos

“O experimento foi realizado pelos pesquisadores.” (Voz passiva)

“Pesquisadores (sujeito) realizaram (verbo) o experimento (predicado).” (Voz ativa)

No exemplo acima, a segunda oração, em voz ativa, grosso modo, é mais clara e objetiva, pois insere o agente da ação (os pesquisadores) como sujeito da oração, destacando a ação realizada por eles. Além disso, perceba que esta é a ordem direta da oração (sujeito + verbo + predicado) (mais comumente indicada em textos acadêmicos). Na primeira oração, em voz passiva, a ação é destacada, mas o agente da ação (os pesquisadores) é colocado em segundo plano, o que pode prejudicar a clareza e objetividade do texto. Eu poderia fazer várias análises, algumas mais complexadas do que estas, e englobando outras reflexões além do simples conceito de voz passiva para explicar a vocês a razão de esse uso ser evitado. Mas acredito que os exemplos que trago neste post são suficientes.

Cuidado com interpretações “ao pé da letra”

Mesmo no exemplo a seguir, em que a oração está na voz ativa, é preciso de atenção em textos acadêmicos:

Pesquisas (sujeito) apontam (verbo) que (predicado)…

O texto acadêmico deve ser desenvolvido com base em citações diretas e indiretas. O termo “Pesquisas”, anteriormente, exprime sentido muito geral, nesse caso. É preciso especificá-lo. Que pesquisas são essas? Na verdade, a chamada para um autor(es) no texto acadêmico ocorre pela citação deste(s) (direta ou indireta), que deve ser seguida conforme as normas da ABNT ou outro manual indicado.

Há casos em que se enfatiza, no texto acadêmico, mais a pesquisa ou estudos do que o(s) autor(es), conforme exemplo a seguir:

Os estudos de Xavier (2022), sobre x, revelam que…

Estilo acadêmico, citação e voz passiva

Em várias áreas do conhecimento, os pesquisadores trazem estilos diferenciados para a construção de citações diretas e indiretas. Como Revisor, percebo que pesquisadores da área do Direito e de Psicologia trazem construções muito divergentes do que, por exemplo, a ABNT sugere em relação às citações, carregadas de subjetividade ou de uso de voz passiva. Os pesquisadores do Direito, inclusive, fogem à norma.

No exemplo a seguir, é possível compreender melhor o que quero dizer. Neste exemplo, a citação aparece ao final do texto, e, por meio da formulação “compreenderam-se”, o SUJEITO AGENTE da oração (que, de fato, realizaram os experimentos) não está em evidência.

Em experimento realizado em 2022, no laboratório da Universidade x, compreenderam-se os sentidos de… (PACHECO et al., 2022).*

Essa não é uma boa construção, pois, não necessariamente, nesse exemplo, PACHECO et al. são os autores dos experiementos. Esse é um caso clássico em que a voz passiva* é prejudicial ao texto científico. Eles (PACHECO et al. denota plural; mais de um autor) podem, simplesmente, referir-se, nesse caso, a autores de uma obra que mencionam outros autores que realizaram uma pesquisa (e, em virtude de mal entendido, não houve citação específica para o caso ou explicação adequada).

Ressalto que, quando um autor cita outro autor, é melhor que o pesquisador busque a informação na fonte original. Deve-se evitar citação de citação em textos acadêmicos. Para que haja maior clareza, é preciso, como cientista e pesquisador, referir-se, no texto científico, especificamente, ao que se “quer dizer”. Se um grupo de pesquisadores realizou uma investigação, em determinado ano, tente procurar a publicação desses pesquisadores falando desse material, em uma primeira apresentação deste. Isso é mais sensato do que buscar os dizeres de outros pesquisadores (a não ser que a intenção seja trazer diferentes vozes ao texto sobre alguma pesquisa) falando desse material.

* Embora eu seja linguista, e transcenda várias discussões sobre os “nomes dados aos bois” em gramáticas normativas, esclareço que a dita gramática normativa traz conceitos muito além da voz passiva (que podem ser considerados nesta análise), mas não os trarei neste artigo, especificamente, porque não escrevo este texto, exclusivamente, para revisores ou professores de português. Mas ressalto a importância, para os que são da minha área, de ir além do que proponho neste post como “voz passiva” (lembre-se das várias funções que a partícula se, por exemplo, podem assumir e da complexidade desse tema em relação a outras questões. Há estudos linguísticos, também, contemporâneos que trazem outras percepções em relação a essas questões).

Não faz sentido, também, tornar o texto tão rígido ao ponto de reduzir a originalidade deste com essa discussão. Como Revisor, eu acredito que, minimamente, os autores devam ter consciência do que escrevem. Posteriormente ou durante a escrita, pesquisadores podem contratar um Revisor e discutir com este algumas questões importantes para deixar o texto mais lógico, organizado e uniforme.

Fonte: ABNT. NBR 14724:2018 – Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos – Apresentação. 2018.

Uma resposta em “Evite uso de voz passiva em textos acadêmicos

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