Identidade Linguística e Liberdade: notas sobre estilo

Prezado cliente,

quero, e preciso, como Revisor, dizer isto para você, em relação ao seu livro:

  1. eu não gosto de textos literários narrados no presente. Mas isso é predominante na sua narrativa. Você oscila entre presente e passado (como vários autores), mas marca mais o presente. Não há problema. Você pode fazer isso como narrador (ir ao passado, referir-se ao presente e ter essa consciência e visão maior: ser onisciente, onipresente e onipotente). Só não pode (e não deve) oscilar, de maneira aleatória, em uma mesmo sentença ou indiscriminadamente. Eu uniformizei o material nesse sentido;
  2. algumas questões linguísticas não são tão previsíveis e “rígidas” (e nem possíveis de comercialização por meio da Revisão, especialmente no âmbito artístico). Não existe uma “fórmula linguística” para o “sucesso” de um livro. A língua é diversa como um todo, assim como, mais especificamente, os gêneros, as linguagens. E você não precisa ser Machado de Assis (na verdade, a linguagem e estilo dele se referem a outro século e é, inclusive, muito difícil de entender contemporaneamente, independentemente do público). Estilo é bastante subjetivo, e está para a imensidão discursiva e linguística que nos perpassa;
  3. saiba que você tem o seu próprio estilo como narrador. E eu confesso, embora este seja bastante peculiar, e esteja ligado aos regionalismo de seu estado, que faz sentido mantê-lo como tal, o que é NATURAL, e se alinha ao seu próprio discurso. E você deve se orgulhar disso! E eu acho isso, como Linguista que sou, MARAVILHOSO! Você precisa ter consciência disso, especialmente porque nem todos têm essa consciência em nosso país, especialmente em sua área profissional. E você poderá ser criticado por isso, em relação ao livro. Entende? Penso, também, que esteja preocupado quanto a essas questões.
  4. você não precisa pedir “licença” para o leitor brasileiro nesse sentido (elitizado ou não), tampouco deve alterar o seu próprio estilo, natural de sua persona, ligado ao grupo ao qual você caracteriza na história, com o receio de julgamentos alheios ou algures. A nossa língua é muito rica, em toda a diversidade, de norte a sul. E essa faceta marcada em seu estilo, e narrativa, é muito interessante, e NÃO PODE, JAMAIS, SER RÍGIDA (isso não é naturalmente linguístico. Há algo na língua chamado criatividade linguística, que está para esse nosso lado mais humano, flexível, possível, e não rígido, regrado, estático*). Eu adorei ler o seu material nesse sentido, embora o seu estilo não seja o mais comum nas narrativas contemporaneamente, e não seja a narrativa mais acessível para o público brasileiro em geral (e não precisa ser, deixe-a como está);

*Na própria ciência, esse conceito existe (serendipidade).

  1. não acredito que você deva simplificar a linguagem, especialmente pelo contexto do livro, e pela sua formação e vivência. Digo isso para que, caso você se sinta desconfortável por qualquer questão em seu livro, ou se sinta, ainda, inseguro como escritor, tomar consciência de seu próprio discurso, e da variação falada (e escrita), em suas várias facetas, em seu estado, bem como em relação às várias possibilidades de narração, efeitos, gêneros, assim como a diversidade dos próprios personagens apresentados. Você demonstra já bastante consciência disso como autor (por entender a multiplicidade humana, ao caracterizar tão bem os diversos personagens criados). Mas sinta-se, também, desapegado, especialmente depois desta segunda revisão, de, talvez, uma grande cobrança e crítica a você mesmo ou receio ao julgamento alheio. Não digo isso para mitigar a necessidade, como profissional, de adentrar mais a respeito da revisão (ou para justificar um “mal feito de minha parte”, não mesmo), mas porque há certa naturalidade inerente à língua, que pode ser perdida se racionalizada excessivamente, em busca de “lapidação”. E pode ser, às vezes, um exagero, especialmente no caso de textos literários. Eu não vejo necessidade de mudanças além do que propus nesta primeira e segunda revisão de seu livro (acredito que você possa ficar em paz quanto a isso).

Ainda hoje enviarei o material, no máximo amanhã.

Estou à disposição.

Saudações

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